Como eu quero?!

Sempre que escuto músicas presto muita atenção na letra. Como psicóloga tudo que é dito sempre se destaca e naturalmente me faz pensar. E as músicas, independente do ritmo, me fascinam, até mesmo porque tive uma professora de português que nos ensinava interpretação de texto através de letras musicais, assim viciei...
Há uma música em especial que passa uma mensagem de romântica, inocente e até é cantada como declaração de amor, mas que na verdade demonstra algo bem diferente se a analisarmos mais. Ela se chama Como eu quero escrita por Paula Toller e Leoni. Abaixo o clipe e a letra:





Como Eu Quero
Diz prá eu ficar muda, Faz cara de mistério, Tira essa bermuda, Que eu quero você sério...
Tramas do sucesso, Mundo particular, Solos de guitarra, Não vão me conquistar...
Uh! eu quero você, Como eu quero!
Uh! eu quero você, Como eu quero!...(x2)
O que você precisa, É de um retoque total, Vou transformar o seu rascunho, Em arte final...
Agora não tem jeito, Cê tá numa cilada, Cada um por si, Você por mim e mais nada...
Uh! eu quero você, Como eu quero!
Uh! eu quero você, Como eu quero!...
Longe do meu domínio, Cê vai de mal a pior, Vem que eu te ensino, Como ser bem melhor...
Longe do meu domínio, Cê vai de mal a pior, Vem que eu te ensino, Como ser bem melhor...
(Bem melhor!)...
Uh! eu quero você, Como eu quero!
Uh! eu quero você, Como eu quero!...(2x)
Uh! eu quero você, Como eu quero!
Uuuuuuuuuuhhh! Uuuuuuuuuuhhh!...

Bem, se fizermos uma leitura rápida poderemos pensar em alguém apaixonado dizendo que quer muito estar com a outra pessoa, que precisa dela do seu lado e que a quer bem... Contudo, numa leitura mais aprofundada as coisas se mostram de outra forma. O próprio Leoni em uma gravação desta música canta uma primeira versão em forma de balada, mais rapidinha e depois a repete colocando mais ênfase em algumas palavras demonstrando a verdadeira intenção da letra (se quiser conferir: http://www.youtube.com/watch?v=Es2_vKXRwzo).
Que é dizer que quer a outra pessoa, mas do seu jeito, afinal de contas é ele (o pretensamente apaixonado) que sabe o que é melhor para o outro e que pode transformá-lo em alguém melhor. Que se a pessoa fizer o que ele quer, ai sim as coisas darão certo e serão adequadas. E que para ficarem juntos tem que ser de um único e aceitável jeito: o seu. Quanta pretensão não é?!
Pois é, mas quantas vezes nos relacionamentos não acabamos por fazer isso, por julgar o outro por não ser, não agir, não querer, não pensar como nós! Neste ponto reside uma das maiores dificuldades da nossa geração: lidar com as diferenças. Não que antes isto não existisse, sempre existiu, entretanto atualmente se tornou a regra e não a exceção. Por isso tantos casamentos acabam, amizades desaparecem e se manter com alguém se torna cada dia mais difícil. Afinal, te quero como eu quero, do meu jeito!
E do nosso jeito não tem como ser. Pelo menos não só do nosso. Um relacionamento, qualquer que seja ele (amoroso, familiar, de amizade, de trabalho...) é feito de duas pessoas, que são diferentes em suas criações, experiências, maneiras de pensar, de entender o mundo e de interpretar e expressar seus sentimentos. Naturalmente, isso causa muita confusão, quanto mais intima é a relação mais se destaca essas diferenças. É muito dito que depois do casamento as coisas mudam, pioram. Não é verdade, é que a intimidade fica tão maior que essas diferenças aparecem mais, o que exige tolerância.
Ser tolerante com o outro é mais do que aceitá-lo como ele é, é ir contra o nosso narcisismo de acreditar que sabemos mais, pensamos melhor e temos as respostas certas para tudo. Aceitar que o outro pensa e quer coisas diferentes é aceitar que o outro é separado de nós, e que não pensar igual não é falta de amor e sim prova de amor próprio. Algo tão saudável.
Como conviver então? Negociando, conversando. Expor para o outro sua vontade sem esperar que seja concordado, pois pode não acontecer. E ter em mente que isso não é falta de companheirismo ou de amor, mas sim de que vocês pensam diferente. Converse, tente chegar num acordo, esta é a única maneira de qualquer relacionamento dar certo.

Uma reflexão sobre a adolescência

Começo essa reflexão com um questionamento: por que é tão fácil aceitar os erros de uma criança e tão difícil entender os de um adolescente?
Pensei nesta pergunta por perceber o quanto muitas vezes se espera de um adolescente uma responsabilidade e até mesmo capacidades que ainda estão se formando tanto em seu psiquismo, quanto em seu intelecto. Parece que esquecemos muito facilmente disto. Vemos aquele garoto(a) grande, que já está – ou até ultrapassou – a altura dos pais, que em tantas coisas já se mostra capaz e independente, de repente dando uma mancada ou demonstrando uma dependência que não parece compatível com a idade. Mas pais aqui vai um aviso: um adolescente ainda é ser em formação!
Sendo assim está em plena fase de aprendizado e tanto quanto uma criança ele precisa de sua paciência, tolerância e muita, muita conversa.
Pois a adolescência é um período evolutivo onde ocorrem transformações biopsicossociais. O que significa que o corpo (bio) muda, a mente (psico) muda e o grupo social também vai mudar. É muita coisa não é?! E diante de tantas mudanças fica realmente difícil estar calmo. Vamos lembrar que são hormônios que ficam em ebulição (ora em grandes quantidades deixando-os elétricos, ora em poucas deixando-os deprimidos), mais os órgãos sexuais que mudam, crescem, e aparecem e eles não sabem como lidar com este novo corpo. E tudo isso só no campo biológico.
No sentido psíquico a adolescência é o momento de transição entre o conhecido mundo da criança para o desejado e temido mundo do adulto. Onde se faz necessário abandonar comportamentos antigos em prol de novos, que precisaram ser desenvolvidos. Assim, é uma fase de organização da identidade.
Essa fase se inicia antes mesmo da entrada na puberdade (mudança corporal) por volta dos 8 aos 10 anos quando a criança, até mesmo por questões de maior capacidade intelectual, passa a compreender algumas realidades da vida como a morte, as regras, o valor do dinheiro, as limitações dos pais e outros mais. E só acaba quando o individuo tem condições de responder de forma independente a todos os segmentos de sua vida: profissional, financeiro, afetivo e etc. Por isso a adolescência é tão única para cada um, alguns desenvolvem esta independência mais rapidamente e outros demoram mais. Aos pais cabe ensinar e ajudar nesta transição.
Sendo importante lembrar que a maior característica da adolescência é a imaturidade. Um adolescente é um ser em essência imaturo! Por isso precisa tanto de orientação, não de bronca, eles verdadeiramente não são ainda capazes de fazer certas escolhas, precisam de supervisão. Mas além desta, há outras características que os descrevem: inconseqüência (não conseguem medir os perigos), indisciplina, questionamento da autoridade (de todos que representarem a lei sobre eles: pais, professores, policiais...), desejos sexuais, busca de maior liberdade, oscilação de idéias e por ultimo mas não menos duro, a necessidade de contradizer (para isso demonstram pontos de vista e preferências tão opostas aos que estão a sua volta). Todas essas características são naturais desta fase e são saudáveis no sentido de serem necessária para a construção da identidade.
A maior necessidade de um adolescente na verdade são duas: Regras e Cuidado. Eles necessitam ter alguém em quem se espelhar, ter um referencial, alguém que lhes dê rumo. Se não encontrar isso em casa, vão procurar fora como em ídolos, mídia, religião ou drogas.
Isso significa que os jovens precisam de adultos fortes e que resistam ao enfrentamento, porque é isso que um adolescente faz o tempo todo: enfrenta os pais. Por isso não cabe a amizade. A linha divisória entre o adulto e o adolescente proporciona segurança. Eles tentam seduzir, mas gostam de limites e regras, isso faz com que se sintam seguros. A amizade virá depois, quando ficarem adultos, maduros. Com os amigos se tem segredos, com os filhos é necessário ter privacidade, tanto para eles quanto para os próprios pais, é o que lhes possibilita ter espaço para crescer.
O papel dos pais nesta época é sobreviver. Não se perder, não se desestruturar. Saber que é uma fase difícil, mas que eles são os pais e a eles cabe o cuidado. Lembrando sempre, que não há regras específicas. Há as regras de cada família. Essas precisam ser bem definidas. Os pais devem ter clareza no que querem e esperam dos filhos e seguir seus princípios: de tempos em tempos precisam esclarecer para si mesmo e para os filhos seus objetivos de vida, seu código ético e moral.
Contudo, um fator complicador nesta etapa é que conforme os filhos crescem denunciam que os pais estão envelhecendo. Alem do que durante a adolescência a visão dos filhos sobre os pais varia entre idealizados e denegridos. Só o tempo traz uma visão inteira, onde cabem capacidades e limitações sem um lado menosprezar o outro. Porem, no tempo em que dura este olhar parcial os pais acabam por entrar em contato com seus fracassos, impotências e desilusões. Os filhos apontam isso e o adulto precisa aceitar esse desafio, que normalmente é desagradável e doloroso. Por isso, os pais precisam resolver essas angustias dentro de si, admitir seus fracassos, tentativas, erros e finitude. Isso os torna humanos e possibilita uma relação realista com os filhos e que esses também possam aprender a se aceitar e a desenvolver uma auto estima saudável.
Os pais precisam aguentar, saber que este olhar, opinião ou comportamento não é definitivo, lembrar que só existe ódio de quem se ama. Brigar não é ruim, não é errado. Briguem, mas depois conversem!
Muito se fala do quanto os jovens atualmente estão sem iniciativa e uma das razões disto é a falta de firmeza, de limites. Pois é o não (com bom senso é claro) que vai preparar os filhos para o futuro, vai provocar neles desejo de crescer e de buscar cada vez mais por seu próprio espaço em todos sentidos. Para que vou almejar por algo se tenho tudo?
Entretanto, hoje em dia é muito mais difícil ser adolescente do que no passado. Há uma dupla mensagem: de que tudo é mais fácil (fast food, computador, internet, portas magnéticas, cartões de crédito e etc) ao mesmo tempo em que tudo é mais exigente (é mais difícil se relacionar, se colocar no mercado de trabalho, conquistar uma vida digna e etc). Essa mensagem dúbia confunde, angustia e adoece. A depressão, ansiedade, pânico, transtornos alimentares e drogadição são, em geral, reflexos deste adoecimento.
Se os pais também ficam confusos, deixando de ser pais para ser amigos, a situação fica ainda mais caótica.
A “cura” vem com o tempo, com o amadurecimento, não dá para apressar, demora. Às vezes mais outras menos, mas nunca antes dos 21 anos, é por volta dele para mais. A mudança é gradual – a imaturidade vai cedendo espaço a maturidade. As mudanças são passo a passo com contestações e questionamentos.
Aos pais cabe colocar as regras, aceitar o enfrentamento, não se confundir, acolher as mudanças na relação com os filhos de idealizada para realista (em algumas vezes até decepcionadas), receber as criticas e encarar suas próprias verdades e frustrações.
Não é fácil, pois os pais criam uma expectativa de que seus filhos, tendo sido criados de forma singular como foram, serão diferentes dos outros adolescentes. Sentem que semearam um bebe e colheram um monstro. Esquecem que a rebelião pertence a liberdade que deram aos filhos quando os criaram de modo que existissem por si próprios. O que é tão positivo e necessário na vida.

Bibliografia
ABERASTURY, A.; KNOBEL, K. Adolescência normal. São Paulo: Artes Médicas, 1992.
HERCULANO-HOUZEL, Suzana. O cérebro em transformação. São Paulo: Objetiva, 2005.
OUTEIRAL, José (org). Clínica psicanalítica de crianças e adolescentes: desenvolvimento, psicopatologia e tratamento. 2 ed. Rio de Janeiro: Revinter, 2005.
WEINBERG, Cybelle (org). Geração delivery: adolescer no mundo atual. 2 ed. São Paulo: Sá, 2001.
WINCICOTT, D. W. A família e o desenvolvimento individual.  São Paulo: Martins Fontes, 2005

A função da família

A família atual se encontra bastante confusa em seus papéis e desempenhos. Há tantos conceitos se modificando em nossa sociedade que os pais se vêem perdidos perante as necessidades e exigências dos filhos. Muitas vezes não se sentem com liberdade para agirem como seus próprios pais, tanto por verem neles falhas que não querem cometer como também pela pressão da mídia e colocações de profissionais que dizem que aquela educação “antiga” já não é a mais adequada. Entretanto, os modelos de comportamentos parentais que aparecem atualmente também, em muitos momentos, não se mostram o mais acertado.
Desta forma, este material serve como uma reflexão, não para dizer o certo ou errado (não creio que exista tal colocação, cada um busca ser o melhor que pode com as armas que tem!), e, sim, como considerações para auxiliar na tarefa tão difícil de ser um pai e uma mãe.
O contexto social em que estamos inseridos nos deixa bastante desconfortáveis ao mesmo tempo em que tudo parece tão simples por um lado – portas que se abrem sozinhas, escadas rolantes, fast-food, etc – há, de um outro lado, uma pressão imensa de que para se ter um lugar ao sol é necessário batalhar e batalhar muito! Dentro disso os adolescentes se sentem perdidos, desesperançosos e até mesmo desanimados (muitas vezes não só eles, nós adultos também). Exatamente por isso, o papel da família torna-se tão importante e direcionador. Mas que papel é esse?
A família tem diversos papéis e para cada uma haverá deveres diferentes que dependem do momento histórico, social, religioso e moral em que se está inscrito. Mas há três funções básicas que não mudam mesmo com as circunstâncias acima, são elas gerar amor, conter a dor e manter a esperança.
É dentro de casa que se aprende a ser amado, contido em suas dificuldades e angustias e a se ter esperança de uma vida melhor. Porem, como fazer isso? O que mais desejamos é ensinar tais possibilidades aos filhos e o que
poucas vezes se consegue, e isso não é de hoje e sim um problema que ronda diversas famílias de todos os tempos. A dificuldade se encontra na falta de adultos maduros. É comum encontrarmos adultescentes (adultos com comportamentos de adolescentes) ou pais idosos que são queixosos e doentes. Tanto um quanto o outro não agem como pais das crianças, mas antes ou como amigos ou como avós.
Para que uma criança tenha um desenvolvimento normal, ou seja, para que se torne um adulto maduro são necessários quatro elementos básicos: Função materna, Função paterna, Apego à realidade e Atração afetiva, sexual e intelectual entre pai e mãe.
Nos próximos tópicos há análise de cada um destes elementos. Mas antes, se faz necessário diferenciar função de figura. Quando falamos em função estamos dizendo características de um individuo, não importa se masculino ou feminino, pai ou mãe ou avó ou tia ou qualquer outra pessoa. O que importa é que a função seja exercida por quem se sente mais próximo daquelas características. Por isso leia “mãe” e “pai” como o cuidador que faz aquela função independente de ser ele macho ou fêmea. 

A função materna

É se colocar à disposição do outro fisicamente e mentalmente para receber as angustias, ou reconhecer a necessidade e oferecer algo que supra aquele imperativo, que contenha a angustia. Um exemplo: o bebê chora (o choro é a expressão de uma angustia) alguém – mãe, pai, um cuidador – se coloca disponível, dá um significado para o choro (percebe se é fome, necessidade de ser trocado, algum dodói e etc) e oferece a ele o que necessita. Essa resposta acalma, tranqüiliza o bebê.
Essa atitude da “mãe” durante várias vezes ao dia em meses e anos vai ajudando esse bebê a reconhecer que existe algo e alguém além dele, que é separado dele, mas que tem um jeito que o acalma. Que transforma o terror, a angustia, que dá a ela uma representação, uma solução. Isso impede um sintoma de doença.
Então de acordo com a maturação neurológica, o bebê vai introjetando esse jeito, esse funcionamento, é a isso que chamamos bons recursos ou “mãe” suficientemente boa. Os bons recursos são aquelas capacidades internas que recorremos nos momentos de maiores apuros na vida, é o que regula nossa auto-estima. A “mãe” suficientemente boa é aquela que se disponibiliza fisicamente, mentalmente e que se agrada com o jeito do bebê. Cuida dele se colocando de corpo em sua frente, com a mente limpa para pensar nele e que aceita seu filho como ele é, não como deveria ser. Sei que isto não é fácil, mas necessário, é um aprendizado, uma busca que esta pessoa precisa realizar se necessário com ajuda de um profissional.
Para tanto esta “mãe” precisa de um “marido” (um auxiliar) suficientemente bom. Inicialmente a “mãe” apresenta uma preocupação exagerada com o bebê, esta preocupação é necessária, os bebês precisam disso, é tão intensa tal inquietação que comumente uma mãe se vê de pijama, sem escovar os dentes às três da tarde com o bebê no colo. Situações assim precisam acontecer, pois o ser humano é o ser mais evoluído da escala animal e é o que nasce mais imaturo. É o único ser que necessita de vínculo, de um sentimento de pertencer, de dependência do outro. E o desenvolvimento parte da dependência para a independência. Tamanha dependência do bebê precisa de uma pessoa que se conecte com ele que abdique da própria vida, por um tempo, para ser só deste bebê. A “mãe” só consegue desenvolver essa função quando se sente segura, abastecida da relação com o companheiro.
Uma mãe assim que ganha o bebê se sente confusa, insegura, desesperada até. Mas passado umas semanas passa a conseguir decifrar o significado daquele choro e saber como atendê-lo, essa decodificação satisfaz o bebê e a “mãe” cumpriu a função materna.
O marido / companheiro é o dado de realidade, é o que lhe proporciona um norte, a acalma em suas angustias (de estar acima do peso, de estar ou não acertando com o bebê, das dores que sente e todas as outras).
É esta outra pessoa que cuida de quem está cuidando do pequenino. Sim, é uma rede, um cuida do outro, o compartilhar da “mãe” com este companheiro a satisfaz e abastece para continuar a cuidar.
E essa rede é para toda a vida, os filhos crescem, mas as angustias continuam a surgir. Sai o choro e entra em cena outros comportamentos: a somatização (gripes que se repetem, alergias), a inadequação (criança agitada demais, mal educada, tímida demais), dificuldades no treino do banheiro (prendem o cocô, não sai da fralda, xixi na cama), ir mal na escola, problemas alimentares (come demais, não come), na adolescência surgem as reclamações. Enfim, eles crescem, entretanto continuam a necessitar de uma pessoa que acolha a angustia e os ajude a decodificá-las os ensinando a lidar com aquela dor e assim superá-la.
Os filhos não chegam contando da angustias eles a demonstram em seus atos, contam de suas dores rindo, brincando, bagunçando e principalmente se agitando. Cabe ao cuidador, que é o adulto maduro da relação, perceber que aquele comportamento está fora de contexto,  buscar compreender e dar um referencial / ensinamento para aquilo. Os filhos estão em formação, eles não conhecem seus sentimentos (isso vale também para os adolescentes), eles os vão conhecendo conforme as referencias que terão da família. Os filhos sempre nos dizem de suas angustias, muitas vezes nós não ouvimos, mas eles sempre dizem!
Com a realização da função materna a função da família de conter a dor é preenchida.

A função paterna

É a função da lei, da regra, da disciplina. E precisa ser firme e sólida. É preciso instalar em casa um sentido de “nesta casa tem lei, tem costumes, tem jeitos de se organizar, agradável, democrático ou não, mas tem”. A lei do “pai” tem para a criança um efeito extremamente tranqüilizador. Essa lei está relacionada com o limite, com o cuidado. O que é limite? É cuidar. Quem não coloca limites possibilita ao filho a ideia de que não está sendo cuidado. Por isso o limite é tão positivo, adequado e necessário.
E o limite só pode ser instalado com autoridade. Sem autoridade é impossível instalar valores básicos do convívio, como respeito, generosidade, consideração, cooperação e solidariedade.
Contudo, os pais temendo serem vistos como castradores, repressores e autoritários deixam de exercer a autoridade que lhes cabem e passam a ser permissivos. Com medo de frustrar os filhos, lhes dão o que pedem e não percebem que em longo prazo isso não será entendido como amor e sim como falta dele.
Há, também, o medo do ódio do filho. Quando se fala um não nenhum filho reage com agradecimento ou entendimento de que aquilo é para o seu bem, mesmo que os outros lhe gritem isso. Os filhos não têm noção do certo ou errado, filhos são imaturos e não o percebem. Por isso ficam tão nervosos quando o não lhes é dito, reagem mal, ficam emburrados, reagem com ódio, dizem palavras que machucam os pais. Mas se os pais agüentarem o ódio com autoridade e não com autoritarismo, irá passar. Precisamos lembrar que os filhos aprendem mais com nossos atos do que com nossas palavras. E todos os pais buscam ensinar os filhos a terem calma, a esperar as coisas acontecerem e na hora que os filhos lhes demonstram sentimentos hostis reagem aquilo com imediatismo tentando recuperar rapidamente o que precisa de tempo para passar.

A diferença entre autoridade e autoritarismo repousa exatamente nisso. A autoridade diz o não, ouve / agüenta o ódio e mantêm a decisão. Com isto, a raiva do filho passa, o filho vai se acalmar e aos poucos de um jeito um pouco brusco no início vai se re-aproximar. O autoritarismo diz o não e não ouve / não agüenta o ódio (manda calar a boca, engolir o bico, batem e etc). Por que agem assim? Porque não agüentam o ódio, sentem-se realmente odiados pelo filho naquele momento e se perdem.
E não é tão difícil sabermos quando estamos perdidos. Quando gritamos, nos descabelamos com os filhos, nós o fazemos não para ele ouvirem. Mas sim para nós mesmos nos ouvirmos e nos convencermos daquilo que estamos dizendo aos berros.
Algo que acontece em todas as famílias normais. Todos berram, se descabelam, batem, se perdem. Às vezes isso é até necessário, porque só se perdendo é que se pode encontrar. E sempre temos uma segunda chance, os filhos nos perdoam tanto quanto nós os perdoamos. O que é necessário é ter alguém, o “pai” que reúna e converse, coloque as ideias a limpo, negocie e recoloque as coisas no lugar. Não dá para esperar que os filhos façam isso, apesar de que em muitas famílias é o que acontece. Porem, isso cabe ao adulto, é o adulto quem cuida, é o adulto a referencia. Se o adulto não procura para resolver é isso que o filho vai aprender, se o adulto não pede desculpas, idem e assim por diante. Quando a casa cai surge a oportunidade de ensinar que tem como resolver e isso possibilita que a função da família de manter a esperança seja alcançada, porque toda casa familiar cai vez ou outra e tem conserto!
Esta relação de autoridade tem que ser construída para quando seu filho estiver do seu tamanho ou maior que você a autoridade já estar representada dentro dele e não pelo seu porte físico, por isso é que se inicia na infância. 

A importância do apego a realidade

É não mascarar a realidade, um exemplo: ter muito dinheiro viver com muito, ter pouco viver com pouco. Coisas boas levam a alegria e comemorações e coisas tristes a tristeza e dor. Em geral as famílias têm facilidade de encarar com realismo as alegrias, estas são com certeza mais fácil, contudo não a tristeza. Esta é difícil ser vivenciada pelo próprio adulto que também tenta fugir e mascarar a realidade.
Mas a vida é feita de dores, aliás de muitas dores: perdas, frustrações, mudanças não desejadas e nem esperadas, surpresas desagradáveis e etc. Quem não passa por isso? E como os filhos podem aprender a encarar tais circunstâncias quando adultos se não tiverem um referencial na família?
Há situações que são tão dolorosas que desconcertam o adulto, mexem com angustias as vezes primitivas de uma fase mais antiga de suas vidas. Pode ser necessário buscar auxílio. Porem o caminho não é fechar os olhos, fazer de conta que não está acontecendo ou tentar manter uma realidade que não existe mais, ou nunca existiu. Não, o caminho é enfrentar e juntos.
Filhos só são pequenos não são bobos, eles percebem sim a dor dos pais, a tristeza e o melhor é que seja vivenciado com realismo. Claro que muitas vezes não é possível abrir toda a verdade (podem ser pequenos demais para encará-las), mas contem dentro do que percebem ser possível a eles e estejam dispostos a conversar, tirar as
dúvidas com a verdade. Pois sofrimentos causam dor, mas não doenças. É a falta da verdade que cria patologias. A Bíblia diz que conhecerás a verdade e ela os libertará isso é verdadeiro também no sentido emocional!
Quando a família tem apego a realidade e as encara, proporciona aos filhos desenvolver a capacidade de ânimo, de ter desejo por coisas melhores e maiores e de ter incentivo de buscar por isso. Quando adultos eles poderão construir uma história diferente para si, pois tiveram o exemplo de pessoas que não desistiram, que mantiveram a esperança e o amor. Que belo aprendizado não? Um incentivo para sermos realistas, vale a pena!!!

O valor da atração afetiva, intelectual e sexual entre pai e mãe

De alguma forma os filhos precisam saber que os pais formam um casal. Que tem uma atração entre eles, que se admiram, se amam e se respeitam. E que fazem coisas das quais os filhos não podem participar. É importante que haja um sentido de “esta mulher é minha, não está disponível e não é descartável, e quem desrespeitá-la vai se haver comigo” e também o equivalente do homem para a esposa.
Essa atração precisa ser suficiente para conter os ataques dissociantes e incestuosos que todos os filhos fazem ao vínculo pai-mãe. Exemplo: numa conversa entre o casal o filho joga o controle da TV neles todos se voltam para ele e deixam de conversar. Pais vão transar os filhos batem na porta e são atendidos. Na hora de dormir tem que ir para a cama dos pais, ou um dos pais ir para a cama com eles.
Esses comportamentos demonstram a dificuldade que o filho tem de não ser o centro das atenções dos pais, o medo de não ter espaço para ele caso os pais façam outras coisas. É uma luta para viver em relações duais (eu-você) porque há a sensação  de que somente na dualidade é que existe satisfação, assim evitam de toda forma as relações triangulares (eu-você-mais alguém), mas é um preparo para a vida, a falta desta vivência cria indivíduos ciumentos e possessivos. Pois conforme eles crescerem serão expostos a várias relações triangulares como com amigos que tem outros amigos, com relacionamentos onde esta pessoa tem uma vida da qual ele não pode fazer parte (como trabalho e amizades). Alem de dificultar o desenvolvimento da capacidade de estar só e bem consigo mesmo. É na manutenção do casal que os filhos aprendem isso. Lembrar que o lugar da família é na mesa e dos pais é na cama.
Como fazer isso no caso dos pais não viverem juntos (separações, falecimento do conjugue e etc)? Esse cuidador que está com o filho deve ter uma vida própria, ou pelo menos, buscar por uma. Ter amigos, ter momentos para fazer coisas que gosta sem os filhos. É buscar o equilíbrio (coisinha difícil de se conseguir!!!) entre o cuidar e o viver sua vida separada(o) deles.
Então, se esses quatro elementos (função materna, função paterna, apego a realidade e atração entre os pais) fizerem parte de nossa postura de cuidador enquanto pais favoreceremos o desenvolvimento dos nossos filhos, lidando com todo o sofrimento que esse desenvolvimento requer. Os pais devem sempre lembrar que os filhos são frutos de seu desejo e só estarão prontos para a vida quando puderem bancar seus próprios desejos, ou seja, quando forem adultos maduros.