A função materna

É se colocar à disposição do outro fisicamente e mentalmente para receber as angustias, ou reconhecer a necessidade e oferecer algo que supra aquele imperativo, que contenha a angustia. Um exemplo: o bebê chora (o choro é a expressão de uma angustia) alguém – mãe, pai, um cuidador – se coloca disponível, dá um significado para o choro (percebe se é fome, necessidade de ser trocado, algum dodói e etc) e oferece a ele o que necessita. Essa resposta acalma, tranqüiliza o bebê.
Essa atitude da “mãe” durante várias vezes ao dia em meses e anos vai ajudando esse bebê a reconhecer que existe algo e alguém além dele, que é separado dele, mas que tem um jeito que o acalma. Que transforma o terror, a angustia, que dá a ela uma representação, uma solução. Isso impede um sintoma de doença.
Então de acordo com a maturação neurológica, o bebê vai introjetando esse jeito, esse funcionamento, é a isso que chamamos bons recursos ou “mãe” suficientemente boa. Os bons recursos são aquelas capacidades internas que recorremos nos momentos de maiores apuros na vida, é o que regula nossa auto-estima. A “mãe” suficientemente boa é aquela que se disponibiliza fisicamente, mentalmente e que se agrada com o jeito do bebê. Cuida dele se colocando de corpo em sua frente, com a mente limpa para pensar nele e que aceita seu filho como ele é, não como deveria ser. Sei que isto não é fácil, mas necessário, é um aprendizado, uma busca que esta pessoa precisa realizar se necessário com ajuda de um profissional.
Para tanto esta “mãe” precisa de um “marido” (um auxiliar) suficientemente bom. Inicialmente a “mãe” apresenta uma preocupação exagerada com o bebê, esta preocupação é necessária, os bebês precisam disso, é tão intensa tal inquietação que comumente uma mãe se vê de pijama, sem escovar os dentes às três da tarde com o bebê no colo. Situações assim precisam acontecer, pois o ser humano é o ser mais evoluído da escala animal e é o que nasce mais imaturo. É o único ser que necessita de vínculo, de um sentimento de pertencer, de dependência do outro. E o desenvolvimento parte da dependência para a independência. Tamanha dependência do bebê precisa de uma pessoa que se conecte com ele que abdique da própria vida, por um tempo, para ser só deste bebê. A “mãe” só consegue desenvolver essa função quando se sente segura, abastecida da relação com o companheiro.
Uma mãe assim que ganha o bebê se sente confusa, insegura, desesperada até. Mas passado umas semanas passa a conseguir decifrar o significado daquele choro e saber como atendê-lo, essa decodificação satisfaz o bebê e a “mãe” cumpriu a função materna.
O marido / companheiro é o dado de realidade, é o que lhe proporciona um norte, a acalma em suas angustias (de estar acima do peso, de estar ou não acertando com o bebê, das dores que sente e todas as outras).
É esta outra pessoa que cuida de quem está cuidando do pequenino. Sim, é uma rede, um cuida do outro, o compartilhar da “mãe” com este companheiro a satisfaz e abastece para continuar a cuidar.
E essa rede é para toda a vida, os filhos crescem, mas as angustias continuam a surgir. Sai o choro e entra em cena outros comportamentos: a somatização (gripes que se repetem, alergias), a inadequação (criança agitada demais, mal educada, tímida demais), dificuldades no treino do banheiro (prendem o cocô, não sai da fralda, xixi na cama), ir mal na escola, problemas alimentares (come demais, não come), na adolescência surgem as reclamações. Enfim, eles crescem, entretanto continuam a necessitar de uma pessoa que acolha a angustia e os ajude a decodificá-las os ensinando a lidar com aquela dor e assim superá-la.
Os filhos não chegam contando da angustias eles a demonstram em seus atos, contam de suas dores rindo, brincando, bagunçando e principalmente se agitando. Cabe ao cuidador, que é o adulto maduro da relação, perceber que aquele comportamento está fora de contexto,  buscar compreender e dar um referencial / ensinamento para aquilo. Os filhos estão em formação, eles não conhecem seus sentimentos (isso vale também para os adolescentes), eles os vão conhecendo conforme as referencias que terão da família. Os filhos sempre nos dizem de suas angustias, muitas vezes nós não ouvimos, mas eles sempre dizem!
Com a realização da função materna a função da família de conter a dor é preenchida.

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